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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Crônicas ao volante. Uma quinta vazia.

     A partir de hoje inicio uma série de crônicas ao volante aqui no Coluna GE-ral. Serão minhas vivências enquanto dirijo os transportes por aplicativo ou conduzo os cachorrinhos e gatinhos através de solicitações por site especializado. Muitas cenas são assistidas pela janela de um carro e muitas conversas quase viram entrevistas sob o olhar de um retrovisor. É praticamente impossível um profissional de comunicação ficar alheio a tantos fatos e tantas histórias sem registrar o que se passa.

     Nossa estréia começa em meio a uma palavra que boa parte do mundo desconhecia: pandemia. Recebo uma OS (ordem de serviço) para levar um cãozinho com sua dona e acompanhante, Ana Cecília, para uma clínica veterinária. O atendimento é cedo e na noite anterior já preparo o carro. Capa Pet nos bancos, desinfecção realizada, descanso, rua. O deslocamento é grande. Saio de Jacarepaguá e vou para a Vila da Penha buscar "Totó", o cãozinho que será sedado para que a retirada de uma amostra do líquido da sua medula óssea. Um exame específico que geralmente é realizado quando um hemograma (exame de sangue mais simples) não consegue precisar alguma possível doença no animal. O caminho para o Veterinário também é longo. Saio da Penha e sigo com Totó e sua Ana Cecília para o Grajaú. Bairros cruzados, via expressa, túnel e, enfim… A clínica. Cecília pede que eu aguarde uma hora pois o exame é delicado. Pergunta se eu posso esperar caso o procedimento de coleta demorasse mais do que o normal: "claro, sem problemas!" Respondo para tranquilizar a dona do Totó, ansiosa e preocupada com a saúde de um dos seus três bichinhos de estimação. Além do paciente da vez na clínica veterinária, ela ainda tinha um outro cachorro e um gato, que se dão bem, são "parssas" uns dos outros. 

    As rádios dividem a programação entre músicas e boletins sobre a pandemia. Aproveito e observo ao redor. A rua vazia. Tudo bem, são nove horas da manhã. Mas realmente estava menos populada do que os outros dias. Não fazia muito tempo que Totó e Cecília estavam comigo neste mesmo carro e fazendo o mesmo trajeto neste mesmo horário. Possivelmente um mês atrás. O movimento era outro. Mesmo em meio ao temor da Covid-19 comentamos naquela corrida o quanto tinha gente nas ruas, fazendo filas mesmo antes de bancos abrirem, circulando com crianças, vendendo de tudo. Mas agora, neste fim de maio, está diferente. Muitos dos comércios que estavam abertos naquele fim de abril, desta vez estavam com suas portas de ferro para baixo. Na rua, menos carros, menos pedestres, menos vida circulando. Menos vida… bom… No dia seguinte li na CNN Brasil que o país chegava ao terceiro dia consecutivo com mais de mil mortos diagnosticados pela Covid-19. E embora o prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella tivesse anunciado horas antes uma reabertura gradual da cidade para flexibilizar o confinamento, aquela manhã não me pareceu muito empolgada com essa notícia. 

     Após deixar Totó na clínica, procurei um lugar para estacionar e aguardar o final do atendimento. Enquanto fazia meu lanche no carro, observava as pessoas circulando pelas calçadas. Muitos com máscaras. Muitos... Não todos. O contraste às vezes era evidente. Tão evidente quanto a pressa na caminhada. As pessoas realmente estavam andando mais apressadas. Entendo que eu estava próximo a esquina da Maxwell com a Rua Uruguai e não estamos falando do lugar mais seguro do mundo (se é que existe um…) mas havia um posto de combustível e outros estabelecimentos comerciais ao redor. Na Barão de Vassouras, onde estava, de fato, localizado, percebia uma rotina normal das manhãs. Pessoas saindo com seus carros para trabalhar e outras chegando com pães para o café da manhã. Havia um pet shop na esquina também. Não senti medo da violência. O inimigo daquele momento era realmente invisível mas presente.


O prevenido e o apressado. Pessoas caminham lado a lado mas com atitudes opostas em relação as medidas de proteção contra a Covid-19.


     Quando voltamos para a Vila da Penha já estávamos chegando às onze horas da manhã. As pessoas tomaram mais as ruas, mas não foi uma quantidade surpreendente. O percurso do GPS pela Avenida Brasil deixou ainda mais gritante o quanto a rua insistia em flertar com um ambiente melancólico. Pouquíssimos carros circulando na via, levando em consideração a média abusiva desta que é considerada a mais importante via expressa da cidade do Rio. A impressão era que, mesmo se eu decidisse cruzar os quase 60 km de extensão da avenida, a sensação de vazio seria a mesma pelos 26 bairros que ela cruza. Impressão? Talvez, mas pouco provável. Trabalho, segundo canta Roberto Carlos, como "analista urbano", desde 2016. São quatro anos ganhando experiência em perceber se o ambiente está, falando em gíria suburbana, "escaldado" ou "sussa". Mas neste 28 de maio não precisava ser um vate escandinavo para cravar que havia um aumento de preocupação na cidade. 


A rua Barão de Vassouras, no bairro do Andaraí, Rio de Janeiro, vazia as dez horas da manhã de uma quinta feira. 


     Totó e Ana Cecília finalizaram o serviço de transporte no largo da Penha, na entrada do parque Shangai, próximos de onde moram. Eu segui para Jacarepaguá. Esperançoso de que os aplicativos de transporte não estivessem com a mesma falta de velocidade da cidade. Mas o cenário era o mesmo. Após um leve reparo elétrico no meu carro, ligo o Uber e a 99 pop às 13:30hs. O resultado? Apenas dois chamados até às 16:00hs. Dois atendimentos pela região. Ambos curtos. Pouco deslocamento. Muito tempo esperando por quase nenhum resultado. Era a tarde me dizendo que estava de braços dados com a manhã. E uma noite que prometera não ser diferente.

     Trabalho concluído, me resta ir pra casa, almoçar, ou lanchar… E esperar a sexta chegar para ver o que o trabalho me reserva. O fato é que sextas e sábados  têm sido cada vez mais piores. Bares, restaurantes, casa de festas, eventos, nada funciona. Estes locais faziam o movimento da cidade. Sair numa sexta em meio a pandemia é saber o pouco que se espera. Aliás o que se espera? Qual o certo a fazer? Sair, ficar em casa… Cada um conhece suas necessidades, mas o fato é que todos literalmente respiram o mesmo problema.


Por: Gê Ataide.


Ultilizo nomes fictícios nas pessoas para que se mantenham preservadas suas privacidades.


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